Mostrando postagens com marcador ecletismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ecletismo. Mostrar todas as postagens

05 março 2012

Universalismo e Movimentos Cismáticos

É muito natural que as pessoas possuam diferentes maneiras de pensar, algo que ocorre, entre outras fatores, devido ao fato de cada um estar num patamar diferente de compreensão sobre determinada questão ou assunto.

No entanto, quando um ou mais indivíduos que dizem pertencer a uma determinada religião, ou que dizem apoiar certo conjunto de ideias de cunho filosófico (como a Doutrina Espírita, por exemplo), passam a discordar de alguns de seus princípios ou ensinos, forma-se aquilo que se convencionou chamar de "cisma". O cisma caracteriza-se por uma dissidência (ou cisão), em que geralmente seus partidários mantêm certos princípios originais e passam, concomitantemente, a adotar outros que lhes pareçam melhores ou mais convenientes. De maneira geral, passam a isolar-se do movimento originário, adotando práticas e divulgando conceitos próprios.

Allan Kardec, o sistematizador da Doutrina Espírita, deixou comentários importantes e esclarecedores acerca dos cismas que já surgiam e viriam a surgir no movimento espírita, tendo deixado evidenciado sua preocupação perante os mesmos. Leiamos:

"Uma questão que se apresenta em primeiro lugar no pensamento é a dos Cismas que poderão nascer no seio da Doutrina; o Espiritismo deles será preservado?

Não, seguramente, porque terá, no começo sobretudo, que lutar contra as ideias pessoais, sempre absolutas, tenazes, lentas em se harmonizarem com as ideias de outrem, e contra a ambição daqueles que querem ligar, mesmo assim, o seu nome a uma inovação qualquer; que criam novidades unicamente para poderem dizer que não pensam e não fazem como os outros; ou porque o seu amor-próprio sofre por não ocupar senão uma posição secundária.
" (em Constituição do Espiritismo - Dos Cismas, Obras Póstumas)(grifos nossos)

Vemos claramente que Allan Kardec se refere a novidades oriundas de ideias pessoais através das quais adeptos ambiciosos e, por que não dizer?, vaidosos e sequiosos por destaque, de maneira persistente procuram fazer prevalecer, exatamente como temos observado nos últimos tempos.

Cabe frizar que o Espiritismo se deparou, inicialmente, com simpatizantes de praticamente todas as religiões e filosofias. Uns, logo reconhecendo que a Doutrina Espírita possuía ideias, conceitos e princípios que lhe eram próprios, perceberam que não seria possível conciliar o Espiritismo com doutrinas do passado, fossem elas do Ocidente ou do Oriente, apesar dos alguns (poucos) pontos aparentemente em comum. Já outros, afetivamente ligados às suas antigas religiões, acharam que o Espiritismo nada teria a perder aceitando o que chamavam de "contribuições" dessas correntes do espiritualismo em geral, fossem elas oriundas de religiões dogmáticas (como o Catolicismo), ou de religiões orientais e/ou orientalistas.

Como já estudamos anteriormente em outros artigos, especialmente em "Os Cavalos de Troia do Espiritismo" e em "Os Efeitos do Ecletismo e da Heterodoxia no Movimento Espírita Francês", J.-B. Roustaing foi o primeiro a liderar um movimento cismático com suas ideias neo-docetistas muito semelhantes ao ideário católico. Tempos depois, com o desencarne do Codificador, logo se apossaram da Sociedade Parisiente de Estudos Espíritas, espiritualistas de toda ordem, especialmente teosofistas, ocultistas e esotéricos, com a complacência de Pierre Gaëtan Leymarie, pouco afeito a manter a mesma postura austera do Codificador.

Anos depois, no Brasil, os adeptos do rustenismo adiantaram-se e fundaram a Federação Espírita Brasileira (FEB), dominando amplamente o movimento espírita com uma avalanche de obras que, pouco a pouco, foram minando a divulgação e o estudo das obras da Codificação, considerada pelos mesmos superadas pela obra "Os Quatro Evangelhos" de J.-B. Roustaing, apelidada de "a Revelação da Revelação".

Já nos idos de 1950, surgem os livros de Hercílio Maes, com ideias em oposição ao rustenismo e com a proposta de acrescentar ao Espiritismo práticas, ensinos e conceitos do rosacrucianismo e da teosofia, como pudemos claramente apontar em Artigo investigativo: Ramatis pode nem existir. A proposta? Uma só: estabelecer o que Hercílio apelidou de "universalismo", como se o Espiritismo, por si só, não fosse uma doutrina eminentemente universalista.

Vejamos, uma a uma, as definições de "universalismo" contidas no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, e verificaremos que a Doutrina espírita, mais do que qualquer outro conjunto de ideias (doutrina), é essencialmente universalista:

Universalismo - substantivo masculino;

1 Rubrica: religião.
"doutrina ou crença que afirma que todos os homens estão destinados à salvação eterna, em virtude da bondade de Deus"


Comentário: É exatamente isso o que ensina o Espiritismo. Acresce ainda que alcançamos o mais alto estágio evolutivo através da reencarnação (ou vidas sucessivas), onde nos são dadas as oportunidades de aprendizado e aperfeiçoamento intelecto-moral.

2 caráter do que é universal ou universalista; universalidade

Comentário: Allan Kardec, servindo-se de médiuns de praticamente todos os pontos do planeta e desconhecidos uns dos outros, atestou que os ensinos espíritas são de origem universal. Tal fato pode ser verificado no artigo Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE), o eficaz método espírita de aferição da Verdade. Além disso, o Espiritismo assenta-se sob fatos naturais e não admite nada do que se afaste dessas mesmas leis, imutáveis como o próprio Criador. Utilizando-se do critério de concordância universal, o codificador pôde chegar a um eficaz meio de aferição das mensagens que lhe chegavam.

3 tendência de tornar universal uma religião, uma ideia, um sistema etc., fazendo com que se dirija ou abranja a totalidade e não um grupo particular

Comentário: O Espiritismo se destina a todos, porque todos estamos submetidos às mesmas leis universais. Não se dirije somente aos espíritas, e nem defende qualquer beneplácito divino ou superioridade dos espíritas sobre os demais.

4 opinião dos que só reconhecem como autoridade o assentimento universal

Comentário: Como já foi dito e demonstrado, Allan Kardec utilizou-se de comunicações oriundas dos quatro cantos do planeta, tendo sido o único a sistematizar uma doutrina desta maneira. Portante, é errôneo afirmar que o Espiritismo tenha um viés unicamente ocidental, ou que tenha privilegiado o pensamento predominante no Ocidente.

Assim sendo, não há razão para fundar qualquer movimento pretensamente ligado ao Espiritismo que se auto-intitule "universalista", já que a própria Doutrina Espírita é, por si só, universalista.

Em nossas pesquisas, pudemos observar que os idealizadores do movimento universalista, os contemporâneos Edgard Armond e Hercílio Maes, ambos ramatisistas e adeptos de correntes espiritualistas orientais, intentaram, conscientemente ou não, na verdade, promover um sincretismo dessas filosofias com o Espiritismo. O primeiro, escrevendo livros de próprio punho, tendo sido o livro "Exilados de Capela" o que mais sucesso alcançou; o segundo, atribuindo tais ideias a um espírito "oriental" chamado Ramatis.

Edgard Armond foi inclusive chamado por Ramatis de "discípulo querido", sendo que boa parte do projeto de implantação da Aliança Espírita Evangélica, assim como os trabalhos mediúnicos em si e programação de estudos, foram inspirados nos ditados constantes das obras de Hercílio/Ramatis. Tais informações, para que fique claro que não estamos tirando de nossa cabeça, constam do livro "No Tempo do Comandante", de Edelso da Silva Jr., uma biografia de Armond.

Preocupado com a situação, em que eram propagados Brasil afora uma série de práticas e informações que colidiam com o Espiritismo e afrontavam o método kardeciano, Deolindo Amorim lançou a preciosíssima obra "O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas" (1958). Sem combater nenhuma corrente ou filosofia espiritualista, como a Teosofia, a Rosacruz, e as diversas seitas de origem asiática e africana, embora ressaltando eventuais coincidências de pontos filosóficos, Deolindo define, separa e identifica o que é o Espiritismo, mostrando a sua independência.

"(...) Todas as doutrinas organizadas têm o seu corpo de princípios, seus postulados, sua orientação. O Espiritualismo, em sua amplitude, é a matriz de muitas escolas, religiões e correntes filosóficas, mas a própria disciplina da inteligência exige que se dê a cada religião ou doutrina o seu lugar inconfundível: ESPIRITISMO é Espiritismo; TEOSOFIA é teosofia; ECLETISMO é ecletismo. É melhor discernir do que confundir, pois é discernindo que se põe ordem nas ideias para procurar a Verdade.

"O Espiritismo é uma doutrina universalista, e tanto quanto as doutrinas que mais o sejam; mas é indispensável não levar a noção de universalismo ao arbítrio de acomodações inconvenientes senão prejudiciais à clareza do espírito crítico. Repetimos que o Espiritismo é universalista, os seus problemas têm o sentido da universalidade, mas também é oportuno acentuar que o Espiritismo não é uma forma de sincretismo doutrinário ou religioso, sem unidade nem consistência. Não, absolutamente! Já se falseou muito a ideia de universalismo. Ser universalista é ter visão global do conhecimento, é estimar a universalidade dos valores espirituais acima e além de todas as configurações geográficas ou históricas. Universalismo é uma convicção, é uma posição consciente em face da cultura humana e espiritual; não é, portanto, a junção pura e simples de crenças, doutrinas e práticas diversas." (cap. I - A Reencarnação e as Escolas Orientais)

A última linha do brilhante comentário de Deolindo Amorim é uma descrição fiel do que acontece em núcleos espíritas (ou pretensamente espíritas) que adotam esse comportamento sincrético dito "universalista". Adoção de práticas mediúnicas exóticas (apometria, passes padronizados, etc.), utilização de terapias alternativas muitas vezes inócuas (cromoterapia, radiestesia, cristalterapia, etc.), venda de objetos tidos como concentradores ou debeladores de "energia" (cristais, incensos, defumadores, etc.), uso de uniformes e roupas especiais (jalecos brancos, imitando profissionais da saúde), e por aí vai.

Até mesmo o espírito André Luiz, entidade incensada por boa parte do contingente espírita, mostrou-se claramente contrário a essa postura agregacionista e oportunista:

"Muitos, companheiros, sob a alegação de que todas as religiões são boas e respeitáveis, julgam que as tarefas espíritas nada perdem por aceitar a enxertia da práticas estranhas à simplicidade que lhes vige na base, lisonjeando indebitamente situações e personalidades humanas, supostas capazes de beneficiar as construções doutrinárias do Espiritismo.

No entanto, examinemos, sem parcialidade, a expressão contraditória de semelhante
atitude, analisando-a, na lógica da vida.

Criaturas de todas as plagas dos Universos são filhas do Criador e chegarão, um dia, à perfeição integral. Mas, no passo evolutivo em que nos achamos, não nos é lícito estar com todas, conquanto respeitemos a todas, de vez que inúmeras se encontram em experiências diametralmente opostas aos objetivos que nos propomos alcançar.

Não existem caminhos que não sejam viáveis e todos podem conduzir a determinado
ponto do mundo. Contudo, somente os viajores irresponsáveis escolherão perlustrar
atalhos perigosos e desfiladeiros obscuros, espinheiros e charcos, no Dédalo de aventuras marginais, ao longo da estrada justa.

Indiscriminadamente, os produtos expostos num mercado são úteis. Mas sob a desculpa do acatamento que se deve a todos, não nos cabe comer de tudo, sem a mínima noção de higiene e sem qualquer consideração para com a própria saúde.

Águas de qualquer procedência liquidam a sede. No entanto, com a desculpa de que todas são valiosas, não é aconselhável se beba qualquer uma, sem qualquer preocupação de limpeza, a menos que a pessoa esteja nas vascas da sofreguidão, ameaçada de morte pelo deserto.

Sabemos que a legislação humana obtida à custa de sofrimento estabelece a segregação dos irmãos delinquentes para o trabalho reeducativo; sustenta a polícia rodoviária para garantir a ordem da passagem correta; mantém fiscalização adequada para o devido asseio nos recursos destinados à alimentação pública e cria agentes de filtragem para que as fontes não se façam veículos de endemias e outras calamidades que arrasariam populações indefesas.

Reflitamos nisso e compreenderemos que assegurar a simplicidade dos princípios
espíritas, nas casas doutrinárias, para que as sua atividades atinjam a meta da libertação espiritual da Humanidade não é fanatismo e nem rigorismo de espécie alguma
, porquanto, agir de outro modo seria o mesmo que devolver um mapa luminoso ao labirinto das sombras, após séculos de esforço e sacrifício para obtê-lo, como se também, a pretexto de fraternidade, fôssemos obrigados a desertar do lar para residir nas penitenciárias; a deixar o caminho certo para seguir pelo cipoal; a largar o prato saudável para ingerir a refeição deteriorada e desprezar a água potável por líquidos de salubridade suspeita." ("Práticas Estranhas", livro "Opinião Espírita" (1963) - F.C. Xavier)

Assim sendo, o alerta está dado.

Infelizmente, os interessados em tornar o movimento espírita um celeiro de fantasias muito se aborrecem com esses comentários, mas é preciso que não nos deixemos enganar. Há muitos interesses envolvidos nisso, tanto materiais, quanto espirituais. De um lado, espíritos pseudossábios, autênticos falsos profetas da erraticidade, charlatões da espiritualidade, que revestem suas mensagens das palavras de amor, caridade, etc. apenas com o intuito de melhor enganarem acerca de suas luzes. Ditam o que lhes vêm à cabeça com o intuito de promover a confusão. Do outro, indivíduos encarnados que pouco se aprofundaram no estudo sério da Doutrina Espírita, desejosos por terem sobre si os holofotes e o dinheiro que esse grande mercado da literatura "trash" pseudo-espírita tem proporcionado.

Cabe aos dirigentes espíritas discernir que "tolerar" não significa o mesmo que "transigir". Toleramos a todos, amamos a todos, mas a título de amar não nos é lícito conspurcar aquilo que nos é mais caro: o Espiritismo e sua missão de libertação das consciências das faixas da ignorância, causa primária de tudo aquilo que causa sofrimento e impede as almas de voarem mais celeremente rumo à perfeição.

28 janeiro 2011

Os Efeitos do Ecletismo e da Heterodoxia no Movimento Espírita Francês


Como bem sabemos, o Espiritismo surgiu na França em 1857, com a publicação de "O Livro dos Espíritos" pelo professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, que utilizou-se do pseudônimo "Allan Kardec" para que ficasse bem marcada a distinção daquele seu trabalho com outros oriundos de sua profissão como respeitado pedagogo, discípulo de Pestalozzi.

Com o sucesso alcançado pela primeira obra da Codificação Espírita, base de todo o edifício doutrinário, Allan Kardec decidiu fundar, em Paris, a 1 de abril de 1858, a "Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas", cuja existência justificou da seguinte maneira:

"A extensão por assim dizer universal que tomam diariamente as crenças espíritas faziam desejar vivamente a criação de um centro regular de observações. Esta lacuna acaba de ser preenchida. A Sociedade cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de esclarecimento, contou, desde o início, entre os seus associados, com homens eminentes por seu saber e por sua posição social. Estamos convictos de que ela está chamada a prestar incontestáveis serviços à constatação da verdade. Sua lei orgânica lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não haverá vitalidade possível; está baseada na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estranhos que se interessam pela doutrina espírita terão um centro ao qual poderão dirigir-se e comunicar suas próprias observações".

De acordo com o relatório de abril de 1862, publicado na Revista Espírita, a Sociedade experimentou considerável crescimento em seus primeiros anos de funcionamento, com 87 sócios efetivos pagantes, contando entre os membros: cientistas, literatos, artistas, médicos, engenheiros, advogados, magistrados, membros da nobreza, oficiais do exército e da marinha, funcionários civis, empresários, professores e artesãos. O número de visitantes chegava a quase 1500 pessoas por ano, considerável para a época.

Kardec, que desempenhava o cargo de presidente desde a criação da entidade, fatigado com o excesso de trabalho e aborrecido com as querelas administrativas, por várias vezes, externou o desejo de renunciar. Instado, porém, pelos Espíritos coordenadores do trabalho, continuou no exercício da presidência até a data de sua desencarnação.

Conforme se pode claramente notar em escritos, documentos e depoimentos da época, o Codificador era rigoroso no cumprimento das disposições estatutárias e na disciplina na condução das atividades aí realizadas. Exigia de todos os participantes extrema seriedade e isso contribuiu para dar muita credibilidade à instituição e aos seus pronunciamentos acerca dos assuntos tratados. Era extremamente prudente e austero nos pareceres exarados e nunca permitiu que a Sociedade se tornasse arena de controvérsias e debates estéreis, geralmente fomentados por indivíduos interessados em desviarem o Espiritismo dos rumos estabelecidos nas obras da Codificação.

Com o desencarne de Allan Kardec em 1869, vitimado por um aneurisma, um de seus colaboradores mais diretos, Pierre Gaëtan Leymarie, passou a exercer as funções de redator-chefe e diretor da "Revue Spirite" (1870 a 1901) e gerente da "Librairie Spirite" (1870 a 1897). No entanto, sem as mesmas credenciais do Codificador e por seu excessivo espírito de tolerância, não foi capaz de obstruir a ação de (pseudo)adeptos que desvirtuaram a finalidade da Revista, abrindo suas páginas à propaganda de filosofias espiritualistas, inclusive à de Roustaing, que diverge do Espiritismo. Houve, ao mesmo tempo, o desvirtuamento das finalidades da Revista Espírita, em que foi oferecido "terreno livre a lutadores de todas as correntes com a condição de que defendessem causas espiritualistas ou de ordem essencialmente humanitária e moral, expondo-se assim às críticas acirradas de uns, às acusações ou descontentamento de outros... ", conforme conta na obra "Processo dos Espíritas" (ed. FEB, 1977, págs. 22/23 da 2ª edição). Nesses "lutadores de todas as correntes" incluíam-se adeptos do Orientalismo, como teosofistas, budistas, ocultistas, esotéricos, etc., como consta da obra "Allan Kardec" (FEB, vol. III) de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen.

Esta é, portanto, a causa do desaparecimento do Espiritismo na França. O sincretismo, a miscelânea do Espiritismo com outras correntes espiritualistas, desfigurando por completo a prática espírita, que até hoje é confundida, na França e em praticamente toda a Europa, com toda a sorte de superstições, como a astrologia, quiromancia, feitiçaria, bruxaria, etc.

No Brasil, na atualidade, o que podemos claramente verificar é que a história se repete, sendo que a tática dos inimigos velados do Espiritismo continua a mesma: a de propor e forçar a sorrateira entrada de questionáveis práticas e ideias no seio do movimento espírita brasileiro.

Por um lado, tivemos a adoção das obras de Roustaing pela Federação Espírita Brasileira, tendo seus membros apelidado-as de "Curso Superior de Espiritismo", "Quarta Revelação" e "Revelação da Revelação". Graças a isso, até hoje sentimos o reflexo dessa política febeana, na medida em que no movimento instaurou-se uma mentalidade piegas, subserviente e igrejeira, erroneamente confundida com postura caritativa e tolerante, devido a toda uma série de obras, mediúnicas ou não, que, embora não mencionassem Roustaing ou suas obras, conseguiram incutir, subrepticiamente, o ideário neo-docetista no seio do Movimento.

Por outro lado, e adotando ideias diferentes das do rustenismo, os simpatizantes do orientalismo insistem, com base principalmente nos ditados do espírito Ramatis ao médium espiritualista Hercílio Maes, em dar ao Espiritismo uma faceta mística calcada nas religiões orientalistas do passado e na Teosofia, julgadas capazes de enriquecer o Espiritismo. Para tanto, não se furtam em chamar Kardec (e, consequentemente, as obras da Codificação Espírita) de ultrapassado, e a Doutrina de carente de remendos, considerando como principal artífice dessa "missão" o próprio espírito Ramatis e seus confusos ditados, sob a fachada de "universalismo", termo geralmente utilizado para encobrir ideias sincretistas e práticas fetichistas. A lista de "inovações" propugnada por esses redutos seitistas é extensa: adoção da astrologia, da apometria, de rituais, de terminologias estranhas ao Espiritismo, crença em profecias de destruição do planeta, crença em extra e intraterrenos com missão de salvar o planeta, e toda sorte de divagações místicas sem o menor embasamento lógico ou factual, geralmente induzindo a uma alienação místico-religiosa que em nada fica a dever às religiões dogmáticas tradicionais, só que com um faceta diferente, de cunho essencialmente esotérico.

Portanto, enquanto encararmos tudo isso de braços cruzados, vitimados pela falsa ideia de que estaremos sendo intolerantes e antifraternos ao (nos) esclarecermos e não compactuarmos com essa tentativa de desvirtuamento do entendimento e da prática espírita dentro e fora dos centros espíritas e federações, tudo ficará como está, com tendência a piorar, tal qual aconteceu com o próprio Cristianismo, hoje uma autêntica colcha de retalhos devido aos mesmos fatores que hoje ameaçam o Espiritismo.

A articulista Vanda Simões, atenta à essa realidade, escreveu certa feita um interessante artigo intitulado "Nossos Espíritas Imperfeitos" que nós aqui transcrevemos e utilizamos para concluir nossas considerações:

"Allan Kardec afirmou certa vez, que os piores inimigos do Espiritismo estariam entre seus pares. Pode parecer declaração demasiadamente dura e radical, mas veio dele mesmo e ele sabia do que estava falando. Hoje, nesse mundo de tanta confusão, o Movimento Espírita se vê envolto em um emaranhado de parvoíces que deixam os espíritas sérios preocupados com o destino da doutrina no mundo. Custa-se a acreditar que uma filosofia tão racional e desbravadora possa ter gerado pessoas com visão tão estreita e engessada da vida.

De duas uma: ou a Doutrina Espírita é defeituosa ou os espíritas não compreenderam seu alcance moral. Sabendo-se da inverdade da primeira hipótese, resta-nos curvar à realidade da segunda. A prova disso está na forma como a Doutrina é praticada nos centros espíritas do país inteiro, com réplicas perfeitas no exterior (principalmente em Portugal e nos Estados Unidos), "formando" adeptos que de espíritas só têm o nome. São os espíritas imperfeitos, de que está cheio o movimento, como por exemplo, os que vêm a público afirmar que Kardec está ultrapassado e que precisa ser reinterpretado, quando ainda nem se conhece a fundo dez por cento do seu pensamento. Consideram-se doutos em Espiritismo por terem lido as obras básicas, e toda a literatura acessória, psicografada ou não. E ler é uma coisa. Estudar, entender e compreender é outra bem diferente. (...)

(...) Os espíritas "modernos" parecem desconhecer tal coisa. E, se conhecem, não dão a menor importância, pois defendem idéias esdrúxulas e contrárias aos fundamentos kardequianos, baseados em escritos ditados por Espíritos enganadores e pseudo-sábios. Essas idéias infiltram-se com facilidade em nosso meio, porque encontram o terreno fértil da ingenuidade e da falta do estudo que faz com que tudo se aceite sem exame, sem critério. É tempo de mudanças. O milênio termina e se inicia uma nova fase para o planeta. Os centros espíritas precisam se preparar para amparar o homem dentro de uma filosofia de vida melhor, mais justa e mais plena de compreensão das coisas divinas.

Para isso, necessita de espíritas sérios, que compreendam o verdadeiro sentido do Espiritismo, que possam trazer para dentro das casas espíritas uma nova ordem de práticas e metas, formando verdadeiramente homens de bem. Que possam retirar dos centros tudo o que não serve para a edificação do ser. Enfim, mostrar aos fariseus modernos a verdadeira face da Doutrina Espírita como agente modificador da humanidade e não como instrumento de gloríolas, de mera promoção pessoal e fábrica de fantasias".